segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Delírio


O trilobita chafurda na manhã cambriana.
Mais uma sonda perde contato antes de pousar em Saturno.
No parlamento alguém nega, a criança sorri e valida o nosso dia.
Ouço um praguejar distante.
Enquanto isso o óvulo que irá gerar o novo avatar não consegue ser fecundado.
Alguém que quer ser como alguém que nunca quis ser o que é.
Um homem quer voltar para casa, mas as chaves mudaram.
Mais uma canção insiste em ser regravada e
Outro corpo se recusa a acreditar que alguma parte está faltando.
Alto-falantes encerram a primavera
E o ano passado de repente é mais moderno.
Sobe a mente uma vergonha juvenil,
Todos os natais parecem um só.
Deus se materializa numa lágrima que ficou no lenço.
Há pegadas na Lua e no jardim.
Um aquariano convertido acredita ter encontrado o caminho.
Protocolos são cumpridos, promessas são quebradas
As baleias mudam a canção
E a garota se esquece para quem estava se arrumando
A ciência pede desculpas e o Rei é flagrado nu.
De relance, o trilobita entende tudo o que ninguém consegue explicar.

terça-feira, 27 de março de 2012

Sr. Gerônimo e o Impacto Ambiental

Sr. Gerônimo viveu longos setenta e sete anos. É um bom tempo se considerarmos que isso corresponde a mais menos vinte e oito mil e cem dias, novecentos e vinte meses, etc. Estudos minuciosos revelariam  com exatidão estes dados e muitos outros. Revelariam os recursos naturais, como a água, o ar, o alimento que  sua existência teria demandado, quanto tempo de sua vida o Sr. Gerônimo teria dormido... O impacto  ambiental deste indivíduo sobre o planeta é um fato e são infinitas as  possibilidades que permeiam o viver de um cidadão comum e do cidadão incomum nesta esfera, mas não é sobre este tipo de coisa que quero contar.

Nenhum estudo seria capaz de revelar a grandeza do Sr. Gerônimo. Quantas vezes ele se sentiu sozinho e nunca ninguém nem pode perceber. Quantos sonhos seu cérebro foi capaz de criar, sonhando ou acordado. Quantos amores inconfessáveis ele foi capaz de nutrir. As vezes que sentiu vontade de contemplar o por do sol, alheio a correria do cotidiano. Os medos que afloravam em noites que não tinham fim. Quanta coisa aprendeu e desaprendeu, quantas verdades teve que negar e quantas mentiras teve que aceitar.

Mas ninguém percebe que o Sr. Gerônimo vive em seus filhos e netos, não em alguma foto guardada num fundo de gaveta ou em um quadro emoldurado. Ali está apenas um instantâneo e serve apenas para ser lembrado de forma passageira e ligeiramente esquecido novamente, como se nunca tivesse existido. Apenas sua pequenina bisneta compreende isso quando encontra uma plantinha no jardim, beija-a e saúda o bisavô Gerônimo, que nunca chegou a conhecer. E veja que ela ainda demorará alguns anos para compreender o que é impacto ambiental.

Neste tipo de coisa eu acredito. E muito.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

No Dia em que Deus foi embora

No dia em que Deus foi embora um rastro de luz o acompanhou na aurora da humanidade. Eu não estava lá, mas se estivesse, com certeza, veria em sua resplandecente face um pequeno traço de desapontamento.

Tendo criado o seu espelho, o ser humano, à sua imagem e semelhança, Deus pode nos deixar uma pista para que pudéssemos um dia, entender o que se passava em sua cabeça no momento da criação.

Talvez tenha sido a humanidade o bode expiatório, a personificação de seus desejos mais profundos, e num lapso do tempo eterno em que reside todas as coisas acima e abaixo de nós, Deus sentiu a falta de algo que não durasse para sempre e criou o veneno da finitude. Precisava de alguém para experimentar o seu invento.

Mas o homem teria que aceitá-lo de bom agrado, então utilizou a mulher para este fim.

E, tendo feito isso, não compreendeu como tal criatura insistia em buscar evolução a níveis mais elevados de consciência, numa vã esperança de se igualar a Ele, e sendo assim, começou a sentir o peso de sua própria criação.

Mas ao tentar apagá-la do planeta, se viu novamente espelhada nela, e voltou atrás.

No dia em que Deus foi embora um rastro de luz o acompanhou na aurora da humanidade. Em sua infinita sabedoria jamais pode entender porque provara o veneno da finitude e não fizera efeito. Neste mesmo dia, ele inventou o livre-arbítrio para as tais criaturas.

Mas o próprio Deus jamais teve este livre-arbítrio.

O LARAMAMISMO Fui apresentado ao Laramamismo através do meu pequeno filho. O que seria aquilo? Nunca tinha ouvido falar. Me lembro que causo...